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quarta-feira, 9 de novembro de 2011
A Lei da Ficha Limpa e o exercício da Cidadania
09:22 | Rubricado por
Ageu Dourado |
Editar postagem
Patrick Mariano Gomes, Advogado
Mestrando na Universidade de Brasília em Direito Estado e Constituição.
No processo eleitoral brasileiro de 2010 muito se debateu sobre a necessidade de um maior controle quanto aos critérios de elegibilidade dos postulantes a cargo público, como forma de melhorar ou qualificar a classe política e combater a corrupção.
O debate foi motivado pela ação do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral - MCCE, que juntamente com uma série de entidades representativas e organizações não-governamentais, com apoio da grande mídia nacional, deram início à coleta de assinaturas para o projeto de iniciativa popular que resultou na Lei Complementar nº 135 de 4 de julho de 2010, popularmente conhecida como Lei da Ficha Limpa (1).
A tramitação nas casas legislativas (Câmara e Senado) foi rápida e teve uma grande repercussão nos meios de imprensa.
“Dos 513 deputados, 390 participaram da sessão que aprovou o texto-base do projeto Ficha Limpa, aprovado na última noite por 388 votos. O deputado Marcelo Melo (PMDB-GO) foi o único a votar contra. Logo em seguida, ele se justificou alegando que, cansado, se equivocou ao digitar seu voto. O presidente da Câmara não votou por estar impedido regimentalmente. Outros 123 parlamentares faltaram à sessão. Ainda falta análise dos destaques para que a proposta siga para o Senado.”(2)
Todos os destaques apresentados foram rejeitados e o texto seguiu para o Senado, onde foi apresentada somente uma emenda de redação que alterou o tempo verbal das hipóteses de inexigibilidade.
Sancionado no dia 4 de junho pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sendo comemorada com uma grande vitória cívica, após a colheita de 1,6 milhão de assinaturas.
No processo de colheita de assinaturas, importante se faz destacar o papel da Internet:
“O componente online na campanha Ficha Limpa, coordenada pela Avaaz, é o maior e melhor exemplo do poder dessa ferramenta. Ao longo de quatro meses, a propagação da campanha Ficha Limpa pela Internet aconteceu de forma crescente e surpreendente. Os alertas de campanha chegaram aos quatro cantos do país, gerando repercussão midiática, engajando pessoas pela ferramenta “Avise seus amigos”, sem contar as que foram propagadas diretamente. A petição online, somada aos números coletados em papel pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, ganhou centenas de milhares de assinaturas em poucas semanas, empurrando o total de assinaturas para além de 2 milhões de brasileiros.”(3)
Somaram-se ao MCCE, juristas ligados historicamente à defesa dos Direitos Humanos como Dalmo Dallari, Hélio Bicudo, OAB e ABI, ABONG, entre tantas outras entidades e personalidades de respeito.
Diz Dallari(4) que: “Ninguém poderá, honesta e sinceramente, duvidar do objetivo da lei, que é impedir a candidatura dos que tiverem sido judicialmente reconhecidos como corruptos e por isso inaptos para representar qualquer segmento da cidadania brasileira.”
Em que pese a boa intenção dos autores do projeto, a lei da ficha-limpa precisa ser analisada com mais profundidade. A intenção do presente artigo é trazer alguns elementos de ordem política e jurídica que questionam a real necessidade da nova lei e que coloca em cheque sua Constitucionalidade.
Tem sido comum nos últimos tempos o debate simplificado e pouco informativo sobre grandes temas em nossa sociedade. Infelizmente, a Lei Complementar nº 135 de 4 de julho de 2010, é um dos exemplos mais atuais disto.
O Legislativo muitas vezes é levado pela pressão da grande mídia e, neste processo, acaba por se tornar seu refém.
Assim, o que demandaria tempo de análise e estudo, tem que ser aprovado para ontem. No caminho, se perdem todos: nós cidadãos, porque não entendemos muito bem os reais efeitos de leis que são aprovadas a toque de caixa; os políticos, porque não conseguem quebrar o círculo da chantagem midiática, aprovando leis que, no futuro, deverão ser revistas ou até mesmo revogadas, mercê de distantes da realidade social e ofensivas à Constituição da República de 1988.
De como a nova lei acaba por desprezar o amadurecimento da cidadania
Da afirmação de Dalmo Dallari mencionada a pouco se retira o entendimento de que o Poder Judiciário é a nova baliza ética a precisar quem são os corruptos a ser cirurgicamente excluídos da vida política e quem seriam os probos, aqueles cuja pureza ou candura, habilitam ao exercício da função nobre de representação.
A nova lei quis, primeiramente, que bastasse a condenação por juiz de primeiro grau para inabilitar o postulante a cargo público. Acabou por prevalecer solução de conferir legitimidade à decisão judicial de colegiado, onde mais de um magistrado, em um tribunal, balizariam a peneira da seleção da probidade.
Nós, eleitores e eleitoras, precisaríamos desta forma, de tutores, protetores para que não nos deixássemos levar pelo canto da sereia dos chamados ficha-sujas. E o Judiciário brasileiro, seria então, a medida profilática eficaz para não permitir sequer o contato entre corruptos e a inquestionável fraqueza de preparo, advinda de nossa imaculada pureza.
Tal idéia leva-nos a um maniqueísmo no exercício da política, que se dividiria assim entre bons e maus, limpos e sujos.
Nós, cidadãos e cidadãs brasileiras, depois de 21 anos de processo Democrático ainda não estaríamos aptos o suficiente para livremente escolher nossos representantes.
Não se contesta o fato de que o Congresso Nacional, assim como as Assembléias estaduais, Câmaras, Prefeituras e Governos são compostos por uma miríade de interesses onde algumas das vezes as reais necessidades da população brasileira são relegadas em segundo plano.
Sendo incontestável que parte dos nossos representantes políticos está longe do que seria ideal, ou mesmo do que seria necessário para o País, somente o voto e o aprendizado democrático é capaz de alterar esta situação.
Em nosso País, embora recente o processo democrático de escolha dos nossos políticos, fatos históricos relevantes contribuíram para a formação e amadurecimento da democracia.
Um dos exemplos deste amadurecimento foi o processo Impedimento do primeiro presidente eleito pelo voto popular, após o período do regime militar de 1964, levado a cabo pelo Senado Federal, num contexto de ampla mobilização social.
Para formação da consciência política e da cidadania, o fato da sociedade se mobilizar e poder cassar o próprio Presidente foi um exemplo e uma experiência relevante do exercício da política.
Para José Murilo de Carvalho(5), o impedimento, além de contrariar o histórico de golpes e revoluções no continente latino americano “deu aos cidadãos a sensação inédita de que podiam exercer algum controle sobre os governantes. Avanço também foram as duas eleições presidenciais seguintes, feitas em clima de normalidade.”
Juntamente com o exercício contínuo e ininterrupto da Democracia(6), desde que eleito e cassado o primeiro presidente após a ditadura militar, nosso País vem melhorando paulatinamente os fatores sociais como educação, saúde, alimentação e emprego. O que representa uma busca pela cidadania plena.
Não é, portanto, somente a consolidação do regime político de liberdade de escolha que influi no maior amadurecimento cívico do povo brasileiro.
Este somente ocorrerá quando, somado ao livre direito de opção for erradicado o analfabetismo, quando a qualidade da escola pública superar as desigualdades regionais, o ensino superior for mais amplo e a saúde pública superar uma série de dificuldades.
No quesito social, embora se tenha evoluído muito nos últimos anos e, os números do IPEA estão aí para confirmar esta evolução, é preciso mais!
No entanto, não há como negar que nosso País tem conseguido somar à continuidade democrática uma mudança significativa na extensão da dignidade da pessoa humana a uma ampla camada da população.
Um dos erros dos entusiastas da lei da ficha-limpa consiste em desprezar o ponto central da questão que é a igualdade de condições entre os eleitores e eleitoras.
Nós teremos condições de dizer que o processo eleitoral é realmente Democrático quando houver, de fato, uma maior igualdade nos direitos sociais, porque aí teremos os eleitores em paridade para exercitarem a liberdade de escolha.
Outro aspecto desconsiderado é que o tange à informação.
Para que o direito de escolha possa ser bem exercido se faz preciso que o acesso a informação sobre a vida pregressa do postulante a cargo público seja garantida(7).
No entanto, não qualquer informação, mas sim o direito à informação plena, correta, integral e idônea. Isso só se tornará possível quando se (re) discutir a função pública dos meios de comunicação de massa.
Concordamos no mérito de que a corrupção é um problema a ser enfrentado, mas discordamos no método de combate.
Nosso país possui instituições sólidas como a Polícia Federal, TCU, CGU, Ministério Público, Judiciário que efetivamente vem combatendo a corrupção com inúmeras ações deflagradas, implicando até mesmo na prisão de governadores, prefeitos, juízes, por conduta lesiva ao patrimônio público.
No entanto, diferentemente do que vem se estabelecendo na prática, é preciso que o Judiciário, principalmente os tribunais superiores, tenham condições de julgar com mais rapidez estes casos, - sempre respeitando o devido processo legal e o direito a ampla defesa - dado a relevância pública que possuem.
Cabe lembrar que na esfera criminal do Poder Judiciário, embora estejam adstritos aos princípios da Administração Pública, vigora o regime de condenação cautelar, em que quase metade da massa carcerária no país encontra-se presa em regime de prisões flagranciais, preventivas ou provisórias.
Dados do DEPEN apontam que 39,3 % da população carcerária brasileira são presos provisórios sendo que em onze(8) estados brasileiros a proporção de custodiados cautelarmente é maior que o de condenados por sentença penal com transito em julgado. O Piauí é o Estado em que esta proporção é maior: 76,1 %.
Na América Latina, segundo dados do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas (ILANUD)- (9) o País cujo fenômeno do encarceramento provisório se revela mais grave é a Bolívia, com 79 % de presos do sistema penal sendo provisórios. No contexto latino-americano oito países apresentam estatísticas piores que por a aqui encontrada(10).
Se a o sistema punitivo funciona (e muito) para os crimes cometidos pelos mais vulneráveis economicamente da sociedade, sendo o furto responsável por 7% da massa carcerária nacional, não se entende o porquê de ser mais lento ou pouco efetivo quando relacionado à classe política e aos delitos conhecidos por colarinho branco, improbidade, etc.
Dessa forma, temos um sistema que é eficaz para uns e, nem tanto para outros, demandando uma opção clara entre o que de fato a sociedade precisa combater. A seletividade no sistema penal mais que comprovada, se dá muitas vezes através da cautelaridade o que afronta o Estado de Direito Democrático.
No entanto, não se vê o mesmo açodamento para alguns tipos de crimes, como a corrupção. Daí que, ao nosso sentir, dispomos de instrumentos efetivos para combater a corrupção na política, basta-nos superar a seletividade.
Aliás, a corrupção não é exclusiva da classe política, mas da sociedade como um todo, nisso se incluindo o próprio Poder Judiciário. São muitos os casos de juízes, desembargadores e ministros que se vêm às voltas com implicações em fatos tidos por delituosos.
Portanto, para enfrentarmos o grave problema da corrupção dispomos de muitos meios. Não sendo preciso o impedimento do exercício da política àqueles cuja probidade se questiona ou muitas vezes impede sem que haja uma devida decisão condenatória transitada em julgado.
Crer no contrário é desacreditar no amadurecimento e na capacidade do nosso povo e de nossas instituições, ademais de acabar por desprezar o aprendizado contínuo e paulatino que só um regime de liberdades é capaz de proporcionar.
De como a lei ofende a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Se por um lado a lei da ficha-limpa despreza aspectos relevantes da cidadania e da evolução democrática brasileira, apostando todas suas fichas (com o perdão do trocadilho) numa lei para dar cabo a problemas complexos da sociedade atual, tal solução simplista, demais disso, nega vigência a direitos fundamentais caros para o Estado Democrático de Direito.
Ao impedir que candidatos condenados por decisão não transitada em julgado possam exercer o direito político de pleitear cargos públicos, a nova lei conspurcou a aplicação do princípio da presunção de inocência.
A consagração de tal princípio, veio sob o influxo das idéias iluministas que nortearam a Constituição da Virgínia em 1776 e, logo depois, teve grande impacto na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, cujo artigo 9º proclamava de maneira solene a presunção de inocência, como repulsa expressa às praticas absolutistas do Antigo Regime.
A experiência trágica dos regimes totalitários nazi-fascistas fez com que a III Assembléia Geral da ONU, proclamasse a Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana e em seu artigo 11º afirmar que: “todos se presumem inocentes, até que sobrevenha definitiva decisão judicial.”
Aos defensores da nova lei, tal princípio somente se aplicaria ao direito e processo penal, não sendo válido, portanto, para o domínio eleitoral.
Embora historicamente vinculada ao processo penal, a presunção de inocência também propaga seus efeitos, sempre em benefício das pessoas, contra o arbítrio e prepotência Estatal, de maneira a impossibilitar que se lancem, açodadamente, contra qualquer cidadão, juízos morais lastreados em situações juridicamente ainda não resolvidas (instáveis), ou que se restrinja direitos dos réus, inobstante ausência de condenação judicial com trânsito em julgado.
É preciso que aja uma coexistência entre os princípios da moralidade e da presunção de inocência. Não pode haver mitigação do segundo em razão do primeiro. O que a lei da ficha-limpa trouxe de novo foi insegurança jurídica resultante desta mitigação inconstitucional, pois, atabalhoadamente, preteriu a garantia histórica da não-culpabilidade do cidadão, conquistada a duras penas, em favor do combate à corrupção na política.
Não havia necessidade para isto, tanto pelos motivos elencados no início do texto, quanto pelo fato de que a lei, como estava anteriormente elaborada, equilibradamente fazia coexistir a preocupação com a moralidade, no entanto sem ofender a necessidade da coisa julgada para supressão de direitos.
O que temos agora é a presunção de culpa: “todos são culpados, independentemente da existência de sentença judicial definitiva”, tal situação, para EROS GRAU(11),
(...) instala a incerteza e a insegurança jurídicas. Consubstancia uma violência. Substitui a objetividade da lei [rectius da Constituição] pelo arbítrio dos que o possam exercer por fundamentos de força, ainda que no desempenho de alguma competência formal bem justificada.
Da irretroatividade da lei
O julgamento mais comentado nos meios de comunicação de massa no segundo semestre do ano passado não foi uma tragédia criminal como a do casal Nardoni, mas sim o julgamento de RE 630147 apresentado ao STF pelo ex-senador da república Joaquim Roriz, para validar sua candidatura ao pleito do Distrito Federal.
O que despertava os holofotes - para além das emoções naturalmente provocadas pela disputa eleitoral - era que ali se tratava de um momento crucial para a validade ou não da lei da ficha-limpa para casos anteriores à sua vigência.
Por aposentadoria de um dos ministros, o julgamento acabou empatado. E o que pareceu como uma vitória, tendo em vista que o ex-senador não pode ser candidato, deve ser considerada uma derrota de todos os cidadãos e cidadãs brasileiros, se levarmos em conta a CRFB de 1988.
O artigo 5º da Constituição enumera os direitos e garantias fundamentais, dentre estes, destacamos os seguintes incisos:
XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal
XL – a lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu
E o § 4º do artigo 60 da CR estabelece que os direitos e garantias fundamentais é cláusula pétrea, o que significa dizer que é vedado qualquer emenda ou alteração em seu teor.
A decisão do Tribunal Superior Eleitoral ao fixar o entendimento jurisprudencial sobre o tema usurpa poderes que nem mesmo o Congresso Nacional possui, qual seja, o de alterar dispositivo sobre o qual vigora impossibilidade de modificação, até mesmo pelo mais rigoroso procedimento legislativo que são as emendas.
Válido relembrar um dos trechos do acórdão nº 3627 (Registro de Candidatura nº 1616-60) no TSE, fls 12:
“Portanto, Excelências, o que rogam aqui os impugnantes é que a vontade popular prevaleça e que não seja esta Corte destoante do Brasil. Que ela seja, de fato, um equilíbrio nessa relação popular, porque as pesquisas vêm demonstrando que, embora o candidato tenha todos esse problema eleitoral, uma vida pregressa de problemas eleitorais, de problemas com a justiça, ele ainda tem uma margem muito grande, segundo as pesquisas, com todas as vênias a qualquer situação de dúvida quanto as pesquisas, mas esse equilíbrio precisa ser dado pelo Judiciário, senão o princípio da probidade e todos os princípios constitucionais que regem a coisa pública não serão observados.”
E não se diga - como perigosamente se tentou com relação à presunção de inocência - que a irretroatividade da lei só aplica ao direito penal.
Pois o Art. 16, da CRFB, afirma categoricamente que: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.”
Ora, por mais que se queira, não há como superar a induvidosa mensagem do texto Constitucional. O problema, como já se disse anteriormente, foi a terrível e danosa simplificação por parte dos meios de comunicação do que estava em jogo no julgamento.
Neste sentido, até pesquisa de opinião foi encomendada, para precisar quantos são os favoráveis e contra à aplicação da lei para estas eleições.
Não podemos nos esquecer que a função principal do Supremo Tribunal Federal é a de ser guardião da Constituição, a despeito de todas as pressões, sejam elas quais forem. Pesquisas de opinião não são baliza alguma para suprimir direitos fundamentais. De ser assim, a pena de morte estaria em vigor no Brasil.
Nestes momentos – em estão em jogo direitos fundamentais - não se pode tergiversar. É preciso coragem para enfrentar uma opinião majoritária, construída muita das vezes pela falta de informação correta. Qual seria o resultado da pesquisa se a pergunta fosse: você concorda em ser considerado culpado antes de uma sentença condenatória definitiva?
Os ministros do STF que honraram a função de juízes e se posicionaram em favor da Constituição da República devem ser aplaudidos, pois atuaram não somente na defesa do político que apresentou o recurso, mas sim, na de todos os brasileiros.
Conclusões
A iniciativa popular de propositura de leis é algo a ser louvado. A ação do MCCE é exemplar no sentido de demonstrar ser possível uma maior participação popular no processo legislativo. Isto é exercício da cidadania.
Oxalá que novas ações deste tipo advenham.
Agora, por outro lado, é preciso que tais iniciativas sejam feitas em consonância com a Constituição da República e que venha para atender necessidades reais da sociedade.
A lei da ficha limpa não levou em consideração que no momento do voto o eleitor é a autoridade maior e que, na cabine, ele deve obediência a uma única lei: sua consciência. A grandeza da democracia reside justamente no poder que o voto possui, sem intermediários, sem tutores.
A preocupação com corrupção na política é legítima, mas temos meios mais eficazes para combatê-la. Primeiro, com um fortalecimento das instituições de controle. Segundo, ampliando os direitos sociais a mais e mais brasileiros e, terceiro impedindo que candidatos com sentença condenatória definitiva sejam candidatos.
Não se pode aceitar a mínima mitigação de direitos fundamentais. A CRFB de 1988 não pode como bem diz Eros Grau, ser interpretada em tiras, aos pedaços, mas sim em sua totalidade, é o seu conjunto que nos protege face ao arbítrio estatal.
A democracia brasileira felizmente caminha para um maior aprimoramento. Neste caminhar, não se pode querer – inda que com as mais bem intencionadas razões possíveis – suprimir conquistas históricas face às ilegalidades estatais, na vã ilusão de se apressar a chegada.
O debate foi motivado pela ação do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral - MCCE, que juntamente com uma série de entidades representativas e organizações não-governamentais, com apoio da grande mídia nacional, deram início à coleta de assinaturas para o projeto de iniciativa popular que resultou na Lei Complementar nº 135 de 4 de julho de 2010, popularmente conhecida como Lei da Ficha Limpa (1).
A tramitação nas casas legislativas (Câmara e Senado) foi rápida e teve uma grande repercussão nos meios de imprensa.
“Dos 513 deputados, 390 participaram da sessão que aprovou o texto-base do projeto Ficha Limpa, aprovado na última noite por 388 votos. O deputado Marcelo Melo (PMDB-GO) foi o único a votar contra. Logo em seguida, ele se justificou alegando que, cansado, se equivocou ao digitar seu voto. O presidente da Câmara não votou por estar impedido regimentalmente. Outros 123 parlamentares faltaram à sessão. Ainda falta análise dos destaques para que a proposta siga para o Senado.”(2)
Todos os destaques apresentados foram rejeitados e o texto seguiu para o Senado, onde foi apresentada somente uma emenda de redação que alterou o tempo verbal das hipóteses de inexigibilidade.
Sancionado no dia 4 de junho pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sendo comemorada com uma grande vitória cívica, após a colheita de 1,6 milhão de assinaturas.
No processo de colheita de assinaturas, importante se faz destacar o papel da Internet:
“O componente online na campanha Ficha Limpa, coordenada pela Avaaz, é o maior e melhor exemplo do poder dessa ferramenta. Ao longo de quatro meses, a propagação da campanha Ficha Limpa pela Internet aconteceu de forma crescente e surpreendente. Os alertas de campanha chegaram aos quatro cantos do país, gerando repercussão midiática, engajando pessoas pela ferramenta “Avise seus amigos”, sem contar as que foram propagadas diretamente. A petição online, somada aos números coletados em papel pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, ganhou centenas de milhares de assinaturas em poucas semanas, empurrando o total de assinaturas para além de 2 milhões de brasileiros.”(3)
Somaram-se ao MCCE, juristas ligados historicamente à defesa dos Direitos Humanos como Dalmo Dallari, Hélio Bicudo, OAB e ABI, ABONG, entre tantas outras entidades e personalidades de respeito.
Diz Dallari(4) que: “Ninguém poderá, honesta e sinceramente, duvidar do objetivo da lei, que é impedir a candidatura dos que tiverem sido judicialmente reconhecidos como corruptos e por isso inaptos para representar qualquer segmento da cidadania brasileira.”
Em que pese a boa intenção dos autores do projeto, a lei da ficha-limpa precisa ser analisada com mais profundidade. A intenção do presente artigo é trazer alguns elementos de ordem política e jurídica que questionam a real necessidade da nova lei e que coloca em cheque sua Constitucionalidade.
Tem sido comum nos últimos tempos o debate simplificado e pouco informativo sobre grandes temas em nossa sociedade. Infelizmente, a Lei Complementar nº 135 de 4 de julho de 2010, é um dos exemplos mais atuais disto.
O Legislativo muitas vezes é levado pela pressão da grande mídia e, neste processo, acaba por se tornar seu refém.
Assim, o que demandaria tempo de análise e estudo, tem que ser aprovado para ontem. No caminho, se perdem todos: nós cidadãos, porque não entendemos muito bem os reais efeitos de leis que são aprovadas a toque de caixa; os políticos, porque não conseguem quebrar o círculo da chantagem midiática, aprovando leis que, no futuro, deverão ser revistas ou até mesmo revogadas, mercê de distantes da realidade social e ofensivas à Constituição da República de 1988.
De como a nova lei acaba por desprezar o amadurecimento da cidadania
Da afirmação de Dalmo Dallari mencionada a pouco se retira o entendimento de que o Poder Judiciário é a nova baliza ética a precisar quem são os corruptos a ser cirurgicamente excluídos da vida política e quem seriam os probos, aqueles cuja pureza ou candura, habilitam ao exercício da função nobre de representação.
A nova lei quis, primeiramente, que bastasse a condenação por juiz de primeiro grau para inabilitar o postulante a cargo público. Acabou por prevalecer solução de conferir legitimidade à decisão judicial de colegiado, onde mais de um magistrado, em um tribunal, balizariam a peneira da seleção da probidade.
Nós, eleitores e eleitoras, precisaríamos desta forma, de tutores, protetores para que não nos deixássemos levar pelo canto da sereia dos chamados ficha-sujas. E o Judiciário brasileiro, seria então, a medida profilática eficaz para não permitir sequer o contato entre corruptos e a inquestionável fraqueza de preparo, advinda de nossa imaculada pureza.
Tal idéia leva-nos a um maniqueísmo no exercício da política, que se dividiria assim entre bons e maus, limpos e sujos.
Nós, cidadãos e cidadãs brasileiras, depois de 21 anos de processo Democrático ainda não estaríamos aptos o suficiente para livremente escolher nossos representantes.
Não se contesta o fato de que o Congresso Nacional, assim como as Assembléias estaduais, Câmaras, Prefeituras e Governos são compostos por uma miríade de interesses onde algumas das vezes as reais necessidades da população brasileira são relegadas em segundo plano.
Sendo incontestável que parte dos nossos representantes políticos está longe do que seria ideal, ou mesmo do que seria necessário para o País, somente o voto e o aprendizado democrático é capaz de alterar esta situação.
Em nosso País, embora recente o processo democrático de escolha dos nossos políticos, fatos históricos relevantes contribuíram para a formação e amadurecimento da democracia.
Um dos exemplos deste amadurecimento foi o processo Impedimento do primeiro presidente eleito pelo voto popular, após o período do regime militar de 1964, levado a cabo pelo Senado Federal, num contexto de ampla mobilização social.
Para formação da consciência política e da cidadania, o fato da sociedade se mobilizar e poder cassar o próprio Presidente foi um exemplo e uma experiência relevante do exercício da política.
Para José Murilo de Carvalho(5), o impedimento, além de contrariar o histórico de golpes e revoluções no continente latino americano “deu aos cidadãos a sensação inédita de que podiam exercer algum controle sobre os governantes. Avanço também foram as duas eleições presidenciais seguintes, feitas em clima de normalidade.”
Juntamente com o exercício contínuo e ininterrupto da Democracia(6), desde que eleito e cassado o primeiro presidente após a ditadura militar, nosso País vem melhorando paulatinamente os fatores sociais como educação, saúde, alimentação e emprego. O que representa uma busca pela cidadania plena.
Não é, portanto, somente a consolidação do regime político de liberdade de escolha que influi no maior amadurecimento cívico do povo brasileiro.
Este somente ocorrerá quando, somado ao livre direito de opção for erradicado o analfabetismo, quando a qualidade da escola pública superar as desigualdades regionais, o ensino superior for mais amplo e a saúde pública superar uma série de dificuldades.
No quesito social, embora se tenha evoluído muito nos últimos anos e, os números do IPEA estão aí para confirmar esta evolução, é preciso mais!
No entanto, não há como negar que nosso País tem conseguido somar à continuidade democrática uma mudança significativa na extensão da dignidade da pessoa humana a uma ampla camada da população.
Um dos erros dos entusiastas da lei da ficha-limpa consiste em desprezar o ponto central da questão que é a igualdade de condições entre os eleitores e eleitoras.
Nós teremos condições de dizer que o processo eleitoral é realmente Democrático quando houver, de fato, uma maior igualdade nos direitos sociais, porque aí teremos os eleitores em paridade para exercitarem a liberdade de escolha.
Outro aspecto desconsiderado é que o tange à informação.
Para que o direito de escolha possa ser bem exercido se faz preciso que o acesso a informação sobre a vida pregressa do postulante a cargo público seja garantida(7).
No entanto, não qualquer informação, mas sim o direito à informação plena, correta, integral e idônea. Isso só se tornará possível quando se (re) discutir a função pública dos meios de comunicação de massa.
Concordamos no mérito de que a corrupção é um problema a ser enfrentado, mas discordamos no método de combate.
Nosso país possui instituições sólidas como a Polícia Federal, TCU, CGU, Ministério Público, Judiciário que efetivamente vem combatendo a corrupção com inúmeras ações deflagradas, implicando até mesmo na prisão de governadores, prefeitos, juízes, por conduta lesiva ao patrimônio público.
No entanto, diferentemente do que vem se estabelecendo na prática, é preciso que o Judiciário, principalmente os tribunais superiores, tenham condições de julgar com mais rapidez estes casos, - sempre respeitando o devido processo legal e o direito a ampla defesa - dado a relevância pública que possuem.
Cabe lembrar que na esfera criminal do Poder Judiciário, embora estejam adstritos aos princípios da Administração Pública, vigora o regime de condenação cautelar, em que quase metade da massa carcerária no país encontra-se presa em regime de prisões flagranciais, preventivas ou provisórias.
Dados do DEPEN apontam que 39,3 % da população carcerária brasileira são presos provisórios sendo que em onze(8) estados brasileiros a proporção de custodiados cautelarmente é maior que o de condenados por sentença penal com transito em julgado. O Piauí é o Estado em que esta proporção é maior: 76,1 %.
Na América Latina, segundo dados do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas (ILANUD)- (9) o País cujo fenômeno do encarceramento provisório se revela mais grave é a Bolívia, com 79 % de presos do sistema penal sendo provisórios. No contexto latino-americano oito países apresentam estatísticas piores que por a aqui encontrada(10).
Se a o sistema punitivo funciona (e muito) para os crimes cometidos pelos mais vulneráveis economicamente da sociedade, sendo o furto responsável por 7% da massa carcerária nacional, não se entende o porquê de ser mais lento ou pouco efetivo quando relacionado à classe política e aos delitos conhecidos por colarinho branco, improbidade, etc.
Dessa forma, temos um sistema que é eficaz para uns e, nem tanto para outros, demandando uma opção clara entre o que de fato a sociedade precisa combater. A seletividade no sistema penal mais que comprovada, se dá muitas vezes através da cautelaridade o que afronta o Estado de Direito Democrático.
No entanto, não se vê o mesmo açodamento para alguns tipos de crimes, como a corrupção. Daí que, ao nosso sentir, dispomos de instrumentos efetivos para combater a corrupção na política, basta-nos superar a seletividade.
Aliás, a corrupção não é exclusiva da classe política, mas da sociedade como um todo, nisso se incluindo o próprio Poder Judiciário. São muitos os casos de juízes, desembargadores e ministros que se vêm às voltas com implicações em fatos tidos por delituosos.
Portanto, para enfrentarmos o grave problema da corrupção dispomos de muitos meios. Não sendo preciso o impedimento do exercício da política àqueles cuja probidade se questiona ou muitas vezes impede sem que haja uma devida decisão condenatória transitada em julgado.
Crer no contrário é desacreditar no amadurecimento e na capacidade do nosso povo e de nossas instituições, ademais de acabar por desprezar o aprendizado contínuo e paulatino que só um regime de liberdades é capaz de proporcionar.
De como a lei ofende a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Se por um lado a lei da ficha-limpa despreza aspectos relevantes da cidadania e da evolução democrática brasileira, apostando todas suas fichas (com o perdão do trocadilho) numa lei para dar cabo a problemas complexos da sociedade atual, tal solução simplista, demais disso, nega vigência a direitos fundamentais caros para o Estado Democrático de Direito.
Ao impedir que candidatos condenados por decisão não transitada em julgado possam exercer o direito político de pleitear cargos públicos, a nova lei conspurcou a aplicação do princípio da presunção de inocência.
A consagração de tal princípio, veio sob o influxo das idéias iluministas que nortearam a Constituição da Virgínia em 1776 e, logo depois, teve grande impacto na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, cujo artigo 9º proclamava de maneira solene a presunção de inocência, como repulsa expressa às praticas absolutistas do Antigo Regime.
A experiência trágica dos regimes totalitários nazi-fascistas fez com que a III Assembléia Geral da ONU, proclamasse a Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana e em seu artigo 11º afirmar que: “todos se presumem inocentes, até que sobrevenha definitiva decisão judicial.”
Aos defensores da nova lei, tal princípio somente se aplicaria ao direito e processo penal, não sendo válido, portanto, para o domínio eleitoral.
Embora historicamente vinculada ao processo penal, a presunção de inocência também propaga seus efeitos, sempre em benefício das pessoas, contra o arbítrio e prepotência Estatal, de maneira a impossibilitar que se lancem, açodadamente, contra qualquer cidadão, juízos morais lastreados em situações juridicamente ainda não resolvidas (instáveis), ou que se restrinja direitos dos réus, inobstante ausência de condenação judicial com trânsito em julgado.
É preciso que aja uma coexistência entre os princípios da moralidade e da presunção de inocência. Não pode haver mitigação do segundo em razão do primeiro. O que a lei da ficha-limpa trouxe de novo foi insegurança jurídica resultante desta mitigação inconstitucional, pois, atabalhoadamente, preteriu a garantia histórica da não-culpabilidade do cidadão, conquistada a duras penas, em favor do combate à corrupção na política.
Não havia necessidade para isto, tanto pelos motivos elencados no início do texto, quanto pelo fato de que a lei, como estava anteriormente elaborada, equilibradamente fazia coexistir a preocupação com a moralidade, no entanto sem ofender a necessidade da coisa julgada para supressão de direitos.
O que temos agora é a presunção de culpa: “todos são culpados, independentemente da existência de sentença judicial definitiva”, tal situação, para EROS GRAU(11),
(...) instala a incerteza e a insegurança jurídicas. Consubstancia uma violência. Substitui a objetividade da lei [rectius da Constituição] pelo arbítrio dos que o possam exercer por fundamentos de força, ainda que no desempenho de alguma competência formal bem justificada.
Da irretroatividade da lei
O julgamento mais comentado nos meios de comunicação de massa no segundo semestre do ano passado não foi uma tragédia criminal como a do casal Nardoni, mas sim o julgamento de RE 630147 apresentado ao STF pelo ex-senador da república Joaquim Roriz, para validar sua candidatura ao pleito do Distrito Federal.
O que despertava os holofotes - para além das emoções naturalmente provocadas pela disputa eleitoral - era que ali se tratava de um momento crucial para a validade ou não da lei da ficha-limpa para casos anteriores à sua vigência.
Por aposentadoria de um dos ministros, o julgamento acabou empatado. E o que pareceu como uma vitória, tendo em vista que o ex-senador não pode ser candidato, deve ser considerada uma derrota de todos os cidadãos e cidadãs brasileiros, se levarmos em conta a CRFB de 1988.
O artigo 5º da Constituição enumera os direitos e garantias fundamentais, dentre estes, destacamos os seguintes incisos:
XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal
XL – a lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu
E o § 4º do artigo 60 da CR estabelece que os direitos e garantias fundamentais é cláusula pétrea, o que significa dizer que é vedado qualquer emenda ou alteração em seu teor.
A decisão do Tribunal Superior Eleitoral ao fixar o entendimento jurisprudencial sobre o tema usurpa poderes que nem mesmo o Congresso Nacional possui, qual seja, o de alterar dispositivo sobre o qual vigora impossibilidade de modificação, até mesmo pelo mais rigoroso procedimento legislativo que são as emendas.
Válido relembrar um dos trechos do acórdão nº 3627 (Registro de Candidatura nº 1616-60) no TSE, fls 12:
“Portanto, Excelências, o que rogam aqui os impugnantes é que a vontade popular prevaleça e que não seja esta Corte destoante do Brasil. Que ela seja, de fato, um equilíbrio nessa relação popular, porque as pesquisas vêm demonstrando que, embora o candidato tenha todos esse problema eleitoral, uma vida pregressa de problemas eleitorais, de problemas com a justiça, ele ainda tem uma margem muito grande, segundo as pesquisas, com todas as vênias a qualquer situação de dúvida quanto as pesquisas, mas esse equilíbrio precisa ser dado pelo Judiciário, senão o princípio da probidade e todos os princípios constitucionais que regem a coisa pública não serão observados.”
E não se diga - como perigosamente se tentou com relação à presunção de inocência - que a irretroatividade da lei só aplica ao direito penal.
Pois o Art. 16, da CRFB, afirma categoricamente que: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.”
Ora, por mais que se queira, não há como superar a induvidosa mensagem do texto Constitucional. O problema, como já se disse anteriormente, foi a terrível e danosa simplificação por parte dos meios de comunicação do que estava em jogo no julgamento.
Neste sentido, até pesquisa de opinião foi encomendada, para precisar quantos são os favoráveis e contra à aplicação da lei para estas eleições.
Não podemos nos esquecer que a função principal do Supremo Tribunal Federal é a de ser guardião da Constituição, a despeito de todas as pressões, sejam elas quais forem. Pesquisas de opinião não são baliza alguma para suprimir direitos fundamentais. De ser assim, a pena de morte estaria em vigor no Brasil.
Nestes momentos – em estão em jogo direitos fundamentais - não se pode tergiversar. É preciso coragem para enfrentar uma opinião majoritária, construída muita das vezes pela falta de informação correta. Qual seria o resultado da pesquisa se a pergunta fosse: você concorda em ser considerado culpado antes de uma sentença condenatória definitiva?
Os ministros do STF que honraram a função de juízes e se posicionaram em favor da Constituição da República devem ser aplaudidos, pois atuaram não somente na defesa do político que apresentou o recurso, mas sim, na de todos os brasileiros.
Conclusões
A iniciativa popular de propositura de leis é algo a ser louvado. A ação do MCCE é exemplar no sentido de demonstrar ser possível uma maior participação popular no processo legislativo. Isto é exercício da cidadania.
Oxalá que novas ações deste tipo advenham.
Agora, por outro lado, é preciso que tais iniciativas sejam feitas em consonância com a Constituição da República e que venha para atender necessidades reais da sociedade.
A lei da ficha limpa não levou em consideração que no momento do voto o eleitor é a autoridade maior e que, na cabine, ele deve obediência a uma única lei: sua consciência. A grandeza da democracia reside justamente no poder que o voto possui, sem intermediários, sem tutores.
A preocupação com corrupção na política é legítima, mas temos meios mais eficazes para combatê-la. Primeiro, com um fortalecimento das instituições de controle. Segundo, ampliando os direitos sociais a mais e mais brasileiros e, terceiro impedindo que candidatos com sentença condenatória definitiva sejam candidatos.
Não se pode aceitar a mínima mitigação de direitos fundamentais. A CRFB de 1988 não pode como bem diz Eros Grau, ser interpretada em tiras, aos pedaços, mas sim em sua totalidade, é o seu conjunto que nos protege face ao arbítrio estatal.
A democracia brasileira felizmente caminha para um maior aprimoramento. Neste caminhar, não se pode querer – inda que com as mais bem intencionadas razões possíveis – suprimir conquistas históricas face às ilegalidades estatais, na vã ilusão de se apressar a chegada.
Notas
(1) Embora a intenção da lei seja motivada pelo combate à corrupção na política, não é somente a condenação por este crime que veda a participação em processo eleitoral.
(2) Ficha Limpa: Lei Complementar nº 135 de 4.06.2010: interpretada por juristas e membros de organizações responsáveis pela iniciativa popular / Edson de Resende Castro, Marcelo Ronseno de Oliveira, Márlon Jacinto Reis (coordenadores). Bauru, SP, EDIPRO, 2010, pág. 26.
(3) Id., p. 322.
(4) Id., p. 17.
(5) CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 12ª Ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2009. Pág. 205.
(6) Idem. Pág 224: “Mas para isso a frágil democracia brasileira precisa de tempo. Quanto mais tempo ela sobreviver, maior será a probabilidade de fazer as correções necessárias nos mecanismos políticos e de se consolidar. Sua consolidação nos países que são hoje considerados democráticos, incluindo a Inglaterra, exigiu um aprendizado de séculos. É possível que, apesar da desvantagem da inversão da ordem dos direitos, o exercício continuado da democracia política, embora imperfeita, permita aos poucos ampliar o gozo dos direitos civis, o que, por sua vez, poderia reforçar os direitos políticos, criando um círculo virtuoso no qual a cultura política também se modificaria.”
(7) BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADPF nº 144, voto do ministro (relator) Celso de Mello, pág. 62: “Neste contexto, a informação revela-se instrumento de extraordinária importância, pois significa, para o eleitor, um dado de inegável relevo que permite não só o exercício consciente do direito de escolher candidatos probos, mas que lhe atribui o poder de censurar, pelo voto, candidatos eticamente desqualificados e que, não obstante seus atributos negativos foram, assim mesmo, selecionados, mal selecionados, de maneira inteiramente inadequada e irresponsável por suas agremiações partidárias.”
(8) Relatório de 2008/2009, “Sistema Penitenciário no Brasil, Dados Consolidados”, do Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça. O estados de PE, MA, AM, CE, PI, MT, PA, AL, MG, SE, RR possuem mais presos provisórios que condenados com trânsito em julgado. Com destaque para os estados do Piauí (76,1%), Alagoas (70,9%), Sergipe (68,4%), Amazonas (65,2%) e Pernambuco (64,9%). Com relação a 2008, houve um aumento de 13863 novos presos provisórios. Documento encontrado no link: acesso em 04.06.2011.
(9) CARRANZA, Elías (coord.). Cárcere e Justiça Penal na América Latina e Caribe. Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a prevenção do delito e tratamento do delinqüente, publicação no Brasil realizada pela Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, 2010, p. 68.
(10)Segundo dados do ILANUD: Uruguai, República Dominicana, Peru, Honduras, Bolívia, Panamá, e Paraguai possuem em seu sistema carcerário mais presos provisórios do que condenados definitivamente.
(11) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Idem, pág. 232.
(1) Embora a intenção da lei seja motivada pelo combate à corrupção na política, não é somente a condenação por este crime que veda a participação em processo eleitoral.
(2) Ficha Limpa: Lei Complementar nº 135 de 4.06.2010: interpretada por juristas e membros de organizações responsáveis pela iniciativa popular / Edson de Resende Castro, Marcelo Ronseno de Oliveira, Márlon Jacinto Reis (coordenadores). Bauru, SP, EDIPRO, 2010, pág. 26.
(3) Id., p. 322.
(4) Id., p. 17.
(5) CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 12ª Ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2009. Pág. 205.
(6) Idem. Pág 224: “Mas para isso a frágil democracia brasileira precisa de tempo. Quanto mais tempo ela sobreviver, maior será a probabilidade de fazer as correções necessárias nos mecanismos políticos e de se consolidar. Sua consolidação nos países que são hoje considerados democráticos, incluindo a Inglaterra, exigiu um aprendizado de séculos. É possível que, apesar da desvantagem da inversão da ordem dos direitos, o exercício continuado da democracia política, embora imperfeita, permita aos poucos ampliar o gozo dos direitos civis, o que, por sua vez, poderia reforçar os direitos políticos, criando um círculo virtuoso no qual a cultura política também se modificaria.”
(7) BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADPF nº 144, voto do ministro (relator) Celso de Mello, pág. 62: “Neste contexto, a informação revela-se instrumento de extraordinária importância, pois significa, para o eleitor, um dado de inegável relevo que permite não só o exercício consciente do direito de escolher candidatos probos, mas que lhe atribui o poder de censurar, pelo voto, candidatos eticamente desqualificados e que, não obstante seus atributos negativos foram, assim mesmo, selecionados, mal selecionados, de maneira inteiramente inadequada e irresponsável por suas agremiações partidárias.”
(8) Relatório de 2008/2009, “Sistema Penitenciário no Brasil, Dados Consolidados”, do Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça. O estados de PE, MA, AM, CE, PI, MT, PA, AL, MG, SE, RR possuem mais presos provisórios que condenados com trânsito em julgado. Com destaque para os estados do Piauí (76,1%), Alagoas (70,9%), Sergipe (68,4%), Amazonas (65,2%) e Pernambuco (64,9%). Com relação a 2008, houve um aumento de 13863 novos presos provisórios. Documento encontrado no link: acesso em 04.06.2011.
(9) CARRANZA, Elías (coord.). Cárcere e Justiça Penal na América Latina e Caribe. Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a prevenção do delito e tratamento do delinqüente, publicação no Brasil realizada pela Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, 2010, p. 68.
(10)Segundo dados do ILANUD: Uruguai, República Dominicana, Peru, Honduras, Bolívia, Panamá, e Paraguai possuem em seu sistema carcerário mais presos provisórios do que condenados definitivamente.
(11) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Idem, pág. 232.
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